“É a casa da mãe Joana?”
Pois é! Uma frase que a gente ouve desde criança, mas pouca gente se pergunta como ela surgiu. A expressão é bem comum em Portugal e no Brasil, e teria sua origem na Idade Média, na corte de Joana I de Nápoles (1325-1382). A dita-cuja foi rainha de Nápoles, condessa da Provence e Forcalquier e princesa de Acaia.
História real ou não, conta-se que no período em que se refugiou da peste e de conflitos políticos em Avignon (França), emitiu um decreto regulamentando o uso dos bordéis da cidade (por volta de 1347) pelos estrangeiros, instituindo diversas normas, sendo que uma delas era a de que o lugar deveria ter uma porta por onde todos entrassem.
Tempos depois, em Portugal, passou-se a se referir a “paço da mãe Joana” como sinônimo de prostíbulo. Por sinal, o termo “paço” não é tão comum no Brasil e em outros países lusófonos, porém significa palácio, sede… Ex: Paço Municipal = Palácio Municipal. Seja como for, “Paço da mãe Joana” significava um local sem ordem nem limites. Com o perdão da palavra, aquilo que no Brasil chamamos vulgarmente de “zona”.
No Brasil, disseminou-se a expressão “casa da mãe Joana”. Aqui, em vez de “paço”, usamos “casa”, bem mais comum em terras tupiniquins. E o significado se ampliou: passou a designar qualquer lugar ou situação com total permissividade, desordem e onde cada um faz o que quer, pois não há nenhuma autoridade que imponha ordem e respeito.
Há quem use também aqui no Brasil “casa da Maria Joana”, uma variação do termo, mas a Rainha Joana I não tinha Maria no nome. Como enxertaram Maria no nome dessa figura histórica ninguém faz ideia, mas sabemos que os brasileiros são muito criativos…
Então já sabe, quando ouvir “casa da mãe Joana”, tenha em conta que essa expressão existe há quase 700 anos. Já pensou?!
Marcos Antonio Fiorito
Quem diria?! Saudade e solidão têm a mesma origem
“A saudade é a memória do coração”, escreveu certa vez o romancista e teatrólogo maranhense Coelho Neto. Já Olavo Bilac, com aquele talento que lhe era singular, afirmou: “A saudade é a presença dos ausentes.”. Quantas vezes você já ouviu dizer que saudade é uma palavra que só existe na língua portuguesa, que ela é, até certo ponto, intraduzível? À primeira vista, tentar explicar saudade para um estrangeiro é uma tarefa ingrata, mas nem tanto…
De onde surgiu essa palavrinha tão especial? Se você puxar o fio da meada, vai descobrir que o termo saudade nasceu no latim vulgar, mais precisamente da palavra “solitate” (da raiz solitas, solitatis), que basicamente queria dizer solidão. Com o tempo, essa palavra foi se transformando; primeiro em “soidade” ou “soedade” no português antigo, já indicando um sentimento de quem está só, porém começava já a ganhar aquelas camadas de melancolia e significado de “sentir falta”, como conhecemos hoje.
Foi durante a Idade Média, enquanto o português se emancipava do galego e do latim como uma língua com identidade própria, que “soidade” virou de vez “saudade”. E não foi só mudança de letra… O sentido também se aprofundou: deixou de ser só a solidão física para abraçar toda aquela dor gostosa de quem lembra de algo bom que ficou para trás.
Aí vieram as Grandes Navegações, com embarcações partindo para o desconhecido. Imagina só: marinheiros deixando famílias inteiras, amores de juventude, a terrinha onde nasceram… Tudo para se aventurar num mar sem fim. Muitos sabiam que nunca mais voltariam. Foi aí que a saudade virou quase uma filosofia portuguesa, um jeito de viver e sentir que marcou para sempre aquele povo.
Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
(Fernando Pessoa – Poema x Mar Português.)
Quando chegou ao Brasil, nossa saudade ganhou tempero novo. Misturou-se com a batida do tambor, com o lamento indígena, com a alegria e a dor dos encontros e desencontros que formaram nossa gente. Aqui, ela ganhou ritmo, virou música, poesia de cordel, conversa de fim de tarde… A saudade brasileira tem algo de celebração – a gente sente saudade, mas de certa forma isso é um jeito de manter vivo o que já passou.
É por isso que, até hoje, a saudade está entranhada na nossa música, nos nossos livros, no nosso papo de botequim. É tristeza, mas também é carinho; é ausência que se faz presente; é passado vivo no agora. Por isso mesmo que a gente nunca conseguiu explicar com exatidão para os gringos; afinal, como traduzir em uma palavrinha só algo tão imponderável?
Marcos Antonio Fiorito