Quem diria?! Saudade e solidão têm a mesma origem
“A saudade é a memória do coração”, escreveu certa vez o romancista e teatrólogo maranhense Coelho Neto. Já Olavo Bilac, com aquele talento que lhe era singular, afirmou: “A saudade é a presença dos ausentes.”. Quantas vezes você já ouviu dizer que saudade é uma palavra que só existe na língua portuguesa, que ela é, até certo ponto, intraduzível? À primeira vista, tentar explicar saudade para um estrangeiro é uma tarefa ingrata, mas nem tanto…
De onde surgiu essa palavrinha tão especial? Se você puxar o fio da meada, vai descobrir que o termo saudade nasceu no latim vulgar, mais precisamente da palavra “solitate” (da raiz solitas, solitatis), que basicamente queria dizer solidão. Com o tempo, essa palavra foi se transformando; primeiro em “soidade” ou “soedade” no português antigo, já indicando um sentimento de quem está só, porém começava já a ganhar aquelas camadas de melancolia e significado de “sentir falta”, como conhecemos hoje.
Foi durante a Idade Média, enquanto o português se emancipava do galego e do latim como uma língua com identidade própria, que “soidade” virou de vez “saudade”. E não foi só mudança de letra… O sentido também se aprofundou: deixou de ser só a solidão física para abraçar toda aquela dor gostosa de quem lembra de algo bom que ficou para trás.
Aí vieram as Grandes Navegações, com embarcações partindo para o desconhecido. Imagina só: marinheiros deixando famílias inteiras, amores de juventude, a terrinha onde nasceram… Tudo para se aventurar num mar sem fim. Muitos sabiam que nunca mais voltariam. Foi aí que a saudade virou quase uma filosofia portuguesa, um jeito de viver e sentir que marcou para sempre aquele povo.
Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
(Fernando Pessoa – Poema x Mar Português.)
Quando chegou ao Brasil, nossa saudade ganhou tempero novo. Misturou-se com a batida do tambor, com o lamento indígena, com a alegria e a dor dos encontros e desencontros que formaram nossa gente. Aqui, ela ganhou ritmo, virou música, poesia de cordel, conversa de fim de tarde… A saudade brasileira tem algo de celebração – a gente sente saudade, mas de certa forma isso é um jeito de manter vivo o que já passou.
É por isso que, até hoje, a saudade está entranhada na nossa música, nos nossos livros, no nosso papo de botequim. É tristeza, mas também é carinho; é ausência que se faz presente; é passado vivo no agora. Por isso mesmo que a gente nunca conseguiu explicar com exatidão para os gringos; afinal, como traduzir em uma palavrinha só algo tão imponderável?
Marcos Antonio Fiorito
Essa língua portuguesa… Cara (rosto) | Cara (preço) | Cara (pessoa)
Vamos falar sobre uma curiosidade da nossa língua portuguesa que pode confundir quem é de fora e não fala nosso idioma: a palavra “cara” pode ter significados bem diferentes. Por sinal, essa peculiaridade da nossa língua, por onde uma mesma palavra pode ter sentidos tão distintos, causa espécie em muitos estrangeiros. E não é para menos, pois são significados que mudam totalmente de acordo com o contexto.
Cara (rosto)
Quando falamos “cara” no sentido de rosto, estamos nos referindo à parte da frente da cabeça humana, onde estão os olhos, o nariz e a boca. Por exemplo: “Ela tem uma cara simpática!”. Nesse caso, “cara” é sinônimo de rosto, e é aquela parte que todo mundo adora mostrar nas selfies! Então, se alguém disser que você tem uma “cara bonita”, pode ficar feliz, pois estão elogiando a sua face!
Cara (coisa de valor elevado)
Agora, quando alguém diz que algo é “caro”, está se referindo ao preço alto de um item ou serviço. Por exemplo: “Esse carro é muito caro!”. Então, esse “caro” significa que custa muito dinheiro, algo que pode ser pesado no bolso. Quando se diz: “Essa joia é cara!”, não tem nada a ver com o nosso rosto! Outra expressão com significado de alto valor é: “Visitar os meus amigos me é uma coisa muito cara!” Por isso se diz: “Cara, Fulana; Caro Fulano”.
Cara (pessoa)
“Cara” também pode ser usado para se referir a uma pessoa, geralmente de maneira informal. Por exemplo: “Aquele cara é muito sério.” Nesse contexto, “cara” é sinônimo de sujeito, indivíduo ou simplesmente alguém. É uma maneira descontraída e cotidiana de falar sobre uma pessoa, muito comum no português falado no Brasil.
O segredo está no contexto
É fascinante como a mesma palavra pode ter significados tão diferentes, não é? A diferença de sentido fica evidente quando observamos o contexto da frase. No primeiro, estamos falando de algo físico, visível, nosso rosto; no segundo caso, estamos falando de valor financeiro; no terceiro, de alguém. Por isso, prestar atenção no contexto é essencial para não se confundir.
Então, se ouvir alguém falando “cara” por aí, já sabe: pode ser rosto, preço de algo ou pessoa. O que importa é não se confundir!
Antes de nascerem ou antes de nascer?
No dia 26 de setembro, o portal R7 publicou uma chamada com erro de concordância: “Com dias de vida ou antes nascerem, filhos de famosos fazem sucesso”. À primeira vista está tudo certo, o sujeito é “filhos” e, portanto, concorda com “nascerem” e com “fazem”, no entanto, só o verbo fazer deve concordar com filhos, nascer permanece no infinitivo singular. Invertendo a frase, veremos como fica: “Filhos de famosos fazem sucesso dias antes de nascer.” Na língua portuguesa, quando diz respeito ao mesmo sujeito, só o primeiro verbo deve ir para o plural, o segundo permanece no singular. Tanto isso é verdade, que a pessoa que fez a revisão corrigiu o título na matéria principal, mas cochilou e esqueceu de corrigir na chamada. Confira na imagem acima. Notícia visualizada em 26/09/2022.
Para encerrar, temos uma frase bíblica que ilustra bem essa questão: “Construirão casas para nelas morar, plantarão vinhas para comer seus frutos” (Is 65, 17-21). Note que não está dito: “para nelas morarem, já que o primeiro verbo foi conjugado no plural: “construirão”. O mesmo no que diz respeito à segunda parte: “plantarão vinhas para comer seus frutos”, em vez de “comerem seus frutos”.